Converse com a gente ...

Equipe

terça-feira, 29 de junho de 2021

Ser e Existir. Parece Simples, Mas Não É

 Por Conceição Gomes

Colagem de Imagens da Internet
Para quem está acostumado a ‘me ler’, sabe que curto misturar os assuntos (temas); Rogério Madruga, nosso revisor, quase enlouquece com esta minha (des) organização peculiar e sempre elogia com fervor minha saudosa mãe, rs. I’m sorry! Cabeça de geminiano é um lugar com gravidade zero, ou seja, tudo está tão perto e longe, alto e baixo, na horizontal e vertical no mesmo tempo e espaço. Isto posto, vamos à reflexão da vez.

Começando com amenidades, nesta semana recebi um calendário da carlotas.org, uma empresa social que busca expandir o entendimento sobre a potência da diversidade, o exercício da empatia e do respeito nas relações através da arte, diálogo e ludicidade. Um mimo para enfeitar minha mesa de trabalho com propósito e pontualidade. 😍😘Obrigada Carlotas!

A Burguer King lançou a campanha - ‘No BK todo mundo é bem-vindo!’ – onde crianças dão sua opinião sobre pessoas que se relacionam com pessoas do mesmo sexo. Lindo, sensível, simples e empático. Mas, aí, o meu paraíso começou a balançar, figuras saíram do umbral e invadiram meu universo particular.

Um apresentador de TV fez um discurso homofóbico e preconceituoso sobre a campanha carregado de conceitos absurdos e extremistas, uma violência e desrespeito com as pessoas LGBTQIA+ e, principalmente, com as crianças e os responsáveis que participaram da peça publicitária que tem um propósito tão necessário e urgente nos dias de hoje, lembrando que o Brasil é o país que mais mata LGBTQIA+ e só reverteremos esse quadro com a cultura e educação de RESPEITO.

Pegando o gancho, estava assistindo a série *Pose e fiquei pensando o quanto ainda temos que aprender sobre esse assunto. O respeito, a empatia e o acolhimento deveriam ser como comer, dormir, beber água, ou seja, tão simples assim.

Divulgação
Aproveitando esse universo de Pose em que maquiagem e cabelo são essenciais na produção das Divas, o que são Elektra, Pray Tell e Blanca?? MA-RA-VI-LHO-SAS. Mas, continuando ...

São muitas laces es-can-da-lo-sas - para quem não sabe lace é a antiga peruca - e eis que chegamos a outro entrave trazido do umbral para meu universo paradisíaco. Camilla de Lucas (Ex-BBB21) foi atacada nas redes sociais por causa de seu cabelo, suas laces etc., e eu tinha recém assistido a um trecho de vídeo de uma criatura dizendo que a mulher negra que usa lace estaria se apropriando culturalmente de uma estética branca. Oi??!! 😳😠😡

Eu percebo que, desde que a mulherada crespa resolveu fazer a transição capilar, esse assunto se tornou mais uma discussão, mais uma arma para os racistas, e percebo, também, o quanto o cabelo é um símbolo vital de autoestima para as mulheres, principalmente para as mulheres negras e realmente traduz força, poder e pertencimento para nós.

Desde a antiguidade, o cabelo é um símbolo de grande importância para caracterizar e qualificar os seres humanos. Começando pelos próprios deuses gregos, o cabelo já exercia a função de descrevê-los, como os longos e loiros cabelos de Afrodite que lhe cobriam a nudez corporal, ou, a força do herói bíblico Sansão, que originava de suas madeixas. O poder imputado aos cabelos era tanto que era comum as pessoas ofertarem suas madeixas aos deuses como troca em promessas.

No Egito Antigo, berço dos peruqueiros, as perucas eram usadas não só como adornos dos faraós mas, também, uma forma de distinção social. Quanto mais ricos e importantes, melhores eram as perucas. Além da estética, as perucas desenvolviam a tarefa de livrar as pessoas de piolhos e outros problemas capilares.

O século XVII ficou marcado como sendo a época de ouro das perucas na Europa. Reis famosos como Luís XIII e Luís XIV, da França, e Carlos II, da Inglaterra, eram adeptos do acessório e se tornou um objeto de prestígio entre a nobreza, uma das mais importantes peças do estilo masculino da época. Um cavalheiro não poderia sair nas ruas com os cabelos curtos. Em algumas classes, a falta da peruca era até uma ofensa.

Culturalmente ou religiosamente, o cabelo sempre foi um símbolo determinante na distinção social, etária, estado civil, raça e até mesmo nas convicções políticas da humanidade. Vejo a peruca como um elemento transgressor ao longo da história, uma rebeldia salutar contra a natureza, e utilizado, principalmente, como um ato político de ser e estar, claro que, sempre buscando a ideia da beleza perfeita e categorizar as castas.

Hoje, a terminologia cabeleireiro – profissão nascida em Roma - já está caindo em desuso dando espaço para o **Visagista, a peruca virou lace, e assim caminha a humanidade...

As ‘verdades absolutas’ enraizadas e adestradas nas classes dominadas foram sempre estratégias de uma classe dominante que sabe muito bem ‘guiar’ o povo ao seu bel-prazer. Democracia é educação e respeito, é um regime para TODOS realizado por TODOS, é plural, não dá espaço para a cultura mono. Liberdade é diferente de libertinagem. Direitos são normas, prerrogativas; a conquista é uma ação.

A descolonização é uma conquista com prerrogativas através da educação e respeito. O colonizador não pode perder sua galinha dos ovos de ouro (o povo), logo, promove o panis et circenses através do mundo imaginário do ***Dr. Parnassus onde realidade se confunde com imaginação, criando uma nova realidade imaginária de prazer e certezas.

Se a esta altura do texto você está questionando a minha sanidade, significa que provoquei em você algum desconforto: ótimo, sair da zona de conforto nos obriga a refletir!!

O mundo imaginário do Dr. Parnassus é a exemplificação da histeria coletiva em que nossa sociedade está chafurdada. É simples observar isso quando alguém diz que a mulher negra usar lace loira é apropriação cultural da raça ariana; quando alguém diz a essa mesma mulher que o uso da lace loira é negação de suas raízes ancestrais; e mais louco ainda, é essa mesma mulher se sentir obrigada a se explicar para ambos os lados o porquê de ela usar a lace loira; ou, ainda, uma criatura dizer publicamente que a campanha publicitária de uma rede de lanchonetes está obrigando crianças a acharem normal respeitar a individualidade sexual do outro e que isto é um absurdo...

Bom, olhando com atenção no espelho de Dr. Parnassus, vejo uma luz no fim do túnel e ela está em ****Haia com a graça de Deus e dos Deuses gregos e iorubanos. Nesta “panaceia desvairada” (sim, panaceia mesmo, licença poética) sigo refletindo e desejando dias melhores para todos nós com a liberdade do exercício democrático respeitosamente.

Afrobeijos com muita bateção de cabelo, e até a próxima!

 

*Pose - É uma série dramática americana de televisão sobre o cenário LGBTQIA+ afro-americano e latino-americano da cidade de Nova Iorque. Apresenta a cultura ballroom entre os anos 80 e 90, onde os personagens em destaque são dançarinos e modelos que competem por troféus e reconhecimento. Eles se apoiam em uma rede de famílias escolhidas conhecidas como Casas, para lidar com os preconceitos e injúrias daquelas épocas.

**Visagista - O visagismo é o conjunto de técnicas usado para valorizar a beleza de um rosto. Trata-se de um estudo completo do indivíduo que, através de comprovações matemáticas, conseguidas após observações e análises que levam em consideração aspectos emocionais e inerentes do ser, consegue atingir um resultado extremamente satisfatório para profissional (visagista) e cliente.

***Dr. Parnassus - The Imaginarium of Doctor Parnassus (O Mundo Imaginário do Dr. Parnassus) é um filme independente de fantasia dirigido e escrito por Terry Gilliam, sob auxílio do roteirista Charles McKeown. O filme segue o líder de uma trupe de teatro itinerante que, tendo feito um pacto com o diabo, conduz o público através de um espelho mágico que explora suas imaginações.

****Haia - Haia é uma cidade na costa do mar do Norte da região oeste dos Países Baixos. A cidade alberga também o Tribunal Internacional de Justiça das Nações Unidas, sediado no Palácio da Paz, e o Tribunal Penal Internacional. Por isso, também costuma ser denominada como Corte de Haia ou Tribunal de Haia.