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sexta-feira, 19 de junho de 2020

Saia Injusta

Por Conceição Gomes

Ilustração - Marcelo Coelho

Estava assistindo a reprise do Saia Justa com as poderosas e empoderadas Astrid Fontenelle, Mônica Martelli, Pitty, Gaby Amarantos, e a convidada era a Manu Gavassi. O papo das meninas estava super interessante, e dois pontos chamou minha atenção por falarem, de certa forma, direta e indiretamente sobre mim.

O primeiro ponto foi sobre lives, canais nas redes sociais, seguidores, influenciadores, visualizações, curtidas ... enfim, quem explode, os top streamings; e o outro ponto foi o ócio criativo.

Há algum tempo descobri que quantidade não significa qualidade, números estratosféricos de visualizações não significam que a postagem foi lida, assistida, ouvida ou absorvida, significam apenas que alguém clicou ali. Cada um foca, presta atenção naquilo que é de seu interesse próprio ou comum.

Com a pandemia as lives vieram com força total. No início era bem interessante. Com o passar do tempo temos live de tudo e de qualquer coisa!! Desculpe a sinceridade: mas, que infeeeeerrrrrnnooooo isso gente😈?! Não pelo assunto e/ou pessoas, mas é que não dá tempo de você assistir a toda que interessa ou seja necessária assistir. Isso sem falar nas travas que rolam na conexão, internet lenta, pesada, insatisfatória, seu vizinho pegando carona no wi-fi 😡... São inúmeras causas de uma live ficar pela metade.

A Mônica (Martelli) ainda comentou sobre isso: ‘Que legal ter live até de Dentista.’ Super concordo com você Mônica, mas é com hora marcada? E eu espero que ele não marque na hora da live da Teresa Cristina, porque aí dá ruim!

Todas abordaram pontos de vista positivo para essa reinvenção humana durante e pós-pandemia. É extremamente positivo toda sociedade poder se expressar e levar algum conhecimento para outras pessoas. Entretanto, percebi o quanto o distanciamento social pode nos deixar ‘jiboiando’ na frente da tela do computador ou celular. Me peguei assistindo a uma live da NASA, em que fiquei minutos intermináveis olhando para a Terra do espaço ... gente é relaxante 😒... tinha 303 mil views ...

Enfim, pós-pandemia não faço ideia do que será a vida da gente sem tempo para assistir lives.

O outro ponto que elas debateram foi o tal do ócio criativo, muito bem defendido pelo sociólogo italiano Domenico De Masi, que criou o termo. Compreendi a tese dele que nada mais é do que o óbvio: Se a gente não parar para olhar para o céu, só perceberemos a chuva quando ela cair, ou seja, ficar parado não significa não produzir ou perceber o mundo a sua volta, o que eu acho PERFEITO! Porém ... brasileiro é um bicho esquisito!

Se você está lá, paradão, olhando para o céu, você é vagabundo. Se você está assistindo a live da NASA, você não está fazendo nada de útil. Para fazer parte do ‘meio’ você precisa estar fazendo (é pra isso que serve o gerúndio, gente!!) mais de uma coisa ao mesmo tempo, porque uma coisa só nesses inúmeros testes com que o facebook inferniza a nossa página, significa que você é medíocre, limitado. Então, você tem que fazer mil coisas para poder corroborar o tal ócio criativo. Se me ne frega un cazzo cosi!😡

Mania que brasileiro tem de colocar as pessoas em escaninhos, definindo quem é o quê, determinando quem faz o quê ... O chinês Yuan San fez duas noites de live dele dormindo, literalmente, e ganhou o respectivo em Real, o valor de 18.600,00. Agora me diz, ele estava utilizando o direito dele do ócio criativo para ganhar dinheiro, ou ele estava vagabundeando?

O que eu sei é que:

1 – Nunca trabalhei tanto na minha vida como nessa gripezinha que nos colocou de ‘noventena’.

2 – Não peguei o COVID-19 (ainda, e espero nem chegar perto, se ele ainda tivesse 1,80cm, olhos cor de mel 😎...) porque na infância usei muito a pasta de dente Kolynos que tinha cloroquina.

3 – Um país consegue sobreviver um mês sem Ministro da Saúde em plena pandemia.

4 – Laranja é a fruta mais brasileira que existe, não importa o pomar de onde ela saiu.

5 – A Globo é muito, muito PHODA conseguiu fazer o Japão cancelar as Olimpíadas.

6 – Fábio Assunção é Ifista. Ifismo não é candomblecismo.

7 - Black Lives Matter desde que o mundo é mundo, quando acabar o isolamento social e a vida voltar ‘à normalidade’ elas ainda importarão para você? Qual atitude você tomará na sua vida para mudar esta realidade de ódio, racismo e preconceito? Você que tem uma vivência branca e postou #BlackoutTuesday, vai deixar eu falar de mim e do meu povo, ou continuará falando POR mim e pelo meu povo para ganhar mais views e eleições?

A vida é o que é e ponto. Uma coisa invisível nos obrigou a diminuir a velocidade, a olhar para si e para o outro, nem que seja através de uma live. Quantos likes e views valem o meu trabalho? Para o youtube pelo menos mil. Tenho o poder de influenciar alguém com o meu conteúdo? Quem sabe? Quem me lê, quem me ouve?

A Taís Araújo perguntou à Ivete Sangalo numa live: Por que a Margareth Menezes não tinha o mesmo sucesso que a Ivete? Eu pergunto: Por que a Zezeh Barbosa não fez o mesmo sucesso que a Taís?

A saia injusta do racismo estrutural esteve presente na pré-pandemia, está na pandemia, e continuará no pós-pandemia? Acredito na ação individual formando o coletivo. E tal como Maya Angelou, ainda assim eu me levanto!

Você pode me riscar da História
Com mentiras lançadas ao ar.
Pode me jogar contra o chão de terra,
Mas ainda assim, como a poeira, eu vou me levantar.

Minha presença o incomoda?
Por que meu brilho o intimida?
Porque eu caminho como quem possui
Riquezas dignas do grego Midas.

Como a lua e como o sol no céu,
Com a certeza da onda no mar,
Como a esperança emergindo na desgraça,
Assim eu vou me levantar.

Você não queria me ver quebrada?
Cabeça curvada e olhos para o chão?
Ombros caídos como as lágrimas,
Minh’alma enfraquecida pela solidão?

Meu orgulho o ofende?
Tenho certeza de que sim
Porque eu rio como quem possui
Ouros escondidos em mim.

Pode me atirar palavras afiadas,
Dilacerar-me com seu olhar,
Você pode me matar em nome do ódio,
Mas ainda assim, como o ar, eu vou me levantar.

Minha sensualidade incomoda?
Será que você se pergunta
Por que eu danço como se tivesse
Um diamante onde as coxas se juntam?

Da favela, da humilhação imposta pela cor
Eu me levanto
De um passado enraizado na dor
Eu me levanto
Sou um oceano negro, profundo na fé,
Crescendo e expandindo-se como a maré.

Deixando para trás noites de terror e atrocidade
Eu me levanto
Em direção a um novo dia de intensa claridade
Eu me levanto
Trazendo comigo o dom de meus antepassados,
Eu carrego o sonho e a esperança do homem escravizado.
E assim, eu me levanto
Eu me levanto
Eu me levanto.