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terça-feira, 6 de outubro de 2020

Nós Por Nós Mesmos!

 Por Conceição Gomes

Semana boa e com grandes notícias. Este, sem dúvida, é o texto que mais me agradou escrever. Saber e divulgar projetos consistentes, de altíssimo nível, do povo preto para o povo preto é uma satisfação pessoal! Axé/Amém!

A primeira boa notícia vem da área da SAÚDE. Pensando no problema do racismo estrutural, buscando dar visibilidade ao profissional de saúde negro e conectá-lo a pacientes que buscam representatividade e atendimento mais qualificado em diversas atuações da área de saúde, chega ao mercado a AfroSaúde, uma health tech de impacto social focada em desenvolver soluções tecnológicas em serviços de saúde para a comunidade negra.  


Na plataforma, o paciente poderá buscar médicos, dentistas, fisioterapeutas, doulas, nutricionistas, psicólogos e profissionais das mais diversas atuações em saúde de forma prática que entendam as especificidades da população negra para um atendimento mais qualificado.
http://app.afrosaude.com.br/#/

Bom isso, não?! Entretanto, um assunto ainda a ser muito explicado e discutido, e não apenas entre ou para racistas, até mesmo para aqueles que se veem não racistas, ou antirracistas, este, ainda é um universo a ser debatido à exaustão. Uma pequenina informação para aguçar a reflexão dos que acreditam que este tipo de ação não seria tão necessário nos dias de hoje.

... Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2014, os negros (pretos e pardos) eram a maioria da população no país, representando 53,6% dos brasileiros. Atualmente, 80% da população cujo plano de saúde é exclusivamente o Sistema Único de Saúde (SUS) é negra. Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde (2015), das pessoas que já se sentiram discriminadas por médicos ou outros profissionais de saúde, 13,6% destacam o viés racial da discriminação.

Estudos mostram que o racismo não é uma questão vinculada especificamente ao SUS. Na rede privada, o racismo também está presente. A diferença nas taxas de mortalidade hospitalar é uma evidência...

Texto na íntegra em https://www.geledes.org.br/negros-sao-mais-suscetiveis-doencas-evitaveis-no-brasil/?gclid=CjwKCAjwq_D7BRADEiwAVMDdHr09XbqJGdWJciBeKgtX6KSzzldAO0DhXU4pT5NdSYYid9Bp464l_xoCdeEQAvD_BwE

 E a segunda excelente notícia vem da área JURÍDICA. Um coletivo de advogados reuniu-se para atender voluntária e gratuitamente às pessoas que sofrerem casos de racismo. O Respire Advocacia Antirracista é um projeto que reuniu um grupo de advogados espalhados por Minas Gerais, Bahia, São Paulo e Brasília, inquietos e incomodados, para atuar contra o preconceito racial, seja ele expresso ou velado.

E tão inquieta quanto eles, entrei em contato com o Carlos Santos, idealizador do projeto, fiz algumas perguntas, e ele, gentilmente, nos respondeu. Veja abaixo:

Carlos Santos
Foto: Divulgação
O que; Quando; Como; Onde; Por que o projeto nasceu?

O Projeto Respire nasce de uma inquietação pautada pela minha vivência como homem negro e advogado. Há um tempo que milito nas redes contra o racismo, mas senti a necessidade de ir além do discurso. O Respire, portanto, nasce com a filosofia de efetivar uma luta contra o racismo, de concretizar o discurso antirracista. A indignação é importante, mas indignação por si só, internalizada em nós, não resolve esses problemas que são reais no nosso cotidiano. Não podemos viver apenas alternando indignações. Somado a essa vontade de enfrentamento efetivo do racismo, a alta propagação de casos de violência envolvendo pessoas negras foi decisiva para que o projeto saísse do papel. Convidei alguns amigos próximos que sei que possuem um engajamento na luta similar ao meu e juntos estamos levando o projeto à frente.

Qual é a estrutura orgânica, e como mantém a infraestrutura econômica do projeto?

Atualmente, não temos nenhuma estrutura física de funcionamento. Não temos uma sede. Atuamos, em regra, à distância, por meio eletrônico. Há casos em que existe uma demanda presencial, daí atendemos conforme a possibilidade ou urgência do caso. Até agora, tem dado certo. O projeto também não conta com recursos financeiros. Todo o custeio, por enquanto, é feito por nós mesmos colaboradores do projeto.

Falando financeiramente, já que são voluntários, como vocês atuam em relação à prioridade de casos? Exemplificando: Sofri um caso de racismo, quero acionar legalmente, entretanto, não tenho renda para pagar as custas de um advogado, procuro o Respire Advocacia Antirracista. Pergunto: Farei parte de uma lista em que o advogado disponível me atenda SOMENTE quando ele não tiver outro caso que o remunere, ou terei a mesma atenção e acompanhamento que um caso pagante?

A ideia é não fazer qualquer distinção entre os assistidos do Respire. Nenhum deles desprende nenhuma quantia, salvo quando for necessário algum documento pago, diligência ou algo assim. Mas até o momento, inclusive eventuais deslocamentos foram custeados por nós mesmos. O projeto não possui nenhum advogado trabalhando em tempo integral e com exclusividade. Os atendimentos são feitos no tempo livre de que dispomos. Todos os colaboradores vivem da advocacia, portanto também não temos como exigir dedicação exclusiva. Os casos são atendidos por ordem de chegada e conforme a urgência demandada. Se são casos que possuem prazos em aberto, damos prioridade a eles. Esse é o único critério que estabelecemos até mesmo pra não deixar a pessoa desassistida no tempo em que lhe couber se manifestar num processo, por exemplo. No início éramos 8 advogados, hoje já somos 15 (os demais foram incluídos na última semana). Apesar da demanda relativamente alta, estamos conseguindo manter um fluxo positivo de andamento. O fato de atendermos no nosso tempo livre, não significa que secundarizamos os casos. Alguns de nós dispõem de 1 hora por dia, outros um dia por semana, outros duas horas nos fins de semana. Na qualidade de idealizador do projeto, me sinto integralmente responsável pelos atendimentos e estabeleço uma meta pessoal de resposta. Foi a forma que identificamos de continuar tocando o projeto sem recursos, mas também de não deixar de atender ninguém. Esse é outro princípio que defendemos, inclusive. Todos os casos, sem exceção, devem obter resposta. Já temos portas fechadas demais na nossa cara pra reproduzir a mesma conduta.

Aproveito para divulgar a mentoria jurídica também gratuita que daremos a pequenos empresários negros que precisem atualizar ou formalizar seu negócio. Esse é um dos próximos serviços que disponibilizaremos. Entendemos que o empoderamento passa também pela questão econômica. Essa é uma forma de reconhecermos o enorme potencial criativo e de produção de riquezas da negritude. É preciso criar condições para que negros e negras estejam cada vez mais no topo, em posições de liderança e controle.

Foto: Divulgação
Minas, Bahia, Distrito Federal e São Paulo. Como outros Estados podem fazer parte do projeto?

A meta é continuar crescendo e ampliando nossa rede para mais Estados. Disponibilizamos em nosso perfil um link para que novos advogados se juntem a nós. Foi assim que os novos participantes ingressaram no projeto.

De forma simples, para que qualquer pessoa possa entender, o que é considerado crime de racismo e injúria racial? E suas respectivas penas.

Bom, inicialmente precisamos enfatizar que se tratam de leis distintas. A injúria racial, também chamada de injúria preconceituosa, é tratada pelo Código Penal, e se refere à ofensa dirigida a uma pessoa específica, em razão não apenas da sua cor, mas também da etnia, religião, origem ou condição de pessoa idosa ou ainda portadora de deficiência.

Já os crimes de racismo são vários e estão previstos na Lei 7.716 de 1989. O crime que guarda maior semelhança com a injúria racial é aquele definido no art. 20 da Lei 7.716, porém a diferença básica é que nesse caso a ofensa é dirigida a um grupo de pessoas, uma coletividade. Não se consegue “pinçar” quem seria o ofendido, embora ela de fato ofenda, humilhe, inferiorize toda uma minoria. Os demais crimes de racismo se referem a condutas impeditivas (negar ou impedir alguém de entrar numa loja, escola, restaurante, por exemplo. Se recusar a promover alguém no trabalho em razão da cor, impedir de usar o elevador social etc). Todos esses são definidos como crimes de racismo pela legislação.

Em relação às penas, ambos os crimes preveem pena de prisão de um a três anos e multa. A diferença básica consiste no fato de que os crimes de racismo são inafiançáveis e imprescritíveis por expressa previsão constitucional, enquanto a injúria racial só se tornou imprescritível recentemente devido a uma exemplar decisão do Superior Tribunal de Justiça.

Inúmeras Casas de Culto de Matriz Africana tiveram seus terreiros violados e ficou claro que as agressões não foram ocasionais ou pontuais, mas, sim, que essas agressões foram violentamente direcionadas contra todas as Casas de Axé.  Isso se caracteriza como racismo religioso? É crime? Que ações devemos tomar nesses casos?

O racismo tem várias faces e se manifesta de inúmeras formas. A destruição de Templos de religiões de matriz africana não é aleatória, é mais um reflexo da sociedade brasileira, historicamente racista, que alimenta um ódio enviesado a tudo que traz alguma lembrança da negritude. A profanação de Templos, bem como dos objetos de culto, é crime previsto tanto o Código Penal, quanto na Lei de Racismo (7.716, citada acima). O primeiro passo é registrar um boletim de ocorrência e procurar auxílio jurídico. Pode-se também levar o fato diretamente ao conhecimento do Ministério Público para que tome as providências cabíveis. O mais importante é não se calar, não abaixar a cabeça para crimes dessa natureza. Precisamos combater o racismo em absolutamente todas as frentes, só assim conseguiremos pensar numa sociedade menos injusta e menos violenta.

Além do instagram, onde encontramos o Respire Advocacia Antirracista?

O Respire também pode ser encontrado no Twitter @ProjetoRespire. Em ambas as redes há um link com os formulários tanto para as vítimas de racismo quanto para outros advogados que queiram se juntar a nós. São todos muito bem vindos e só temos a somar. Por fim, tomo a liberdade de enviar link para o curso Raça e Justiça que irei ministrar no final de outubro. https://www.sympla.com.br/raca-e-justica-no-brasil__999636  O curso possui uma taxa simbólica de inscrição, mas há também um link de manifestação de interesse para aqueles que no momento não possam arcar com a inscrição. São todos bem vindos: https://forms.gle/Cmj9Skawk82RKfEV7

É isso, boas notícias devem ser compartilhadas!! E você que leu tudo e chegou até aqui, espalhe essas boas novas também. #JuntosSomosMaisFortes. Até a próxima!

P.S.: Uma rara ação extremamente positiva para a equidade profissional em nosso país, realizada pela empresa Magazine Luiza, que lançou um programa de trainees voltado para negros causou um enorme rebuliço. Um defensor público acionou a empresa judicialmente pelo feito. A Defensoria Pública da União soltou uma nota, hoje – 06/10/2020, explicando e dando seu parecer sobre o assunto:

É comum que membros da instituição atuem em um mesmo processo judicial em polos diversos e contrapostos e, por isso, é fundamental o respeito à pluralidade de pensamentos e à diferença de opiniões. Contudo, a representação judicial e extrajudicial da Defensoria Pública da União e a coordenação de suas atividades são atribuições do defensor público-geral federal (artigo 8°, I e II, da LC 80/94).

A política de cotas constitui-se em forte instrumento para a realização dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil de construir uma sociedade livre, justa e solidária, reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Dessa forma, deve ser incentivada como forma de reduzir vulnerabilidades.

O caminho é longo e árduo ... contudo, encontraremos com a vitória no meio dela.